quinta-feira, 31 de outubro de 2013
A Cidade dos Dois Sóis
"Uma cidade e dois sóis;
de outono, de meio-dia, de tanta cor, de poesia;
Uma alvorada, uma esperança, um novo tempo, novas andanças;
Um pôr do sol, um fim de dia, de velhos tempos, de nostalgia;
E na cidade dos dois sóis, espera-se tudo e nada, novo e velho, o exato liame entre a felicidade plena e o caos absoluto".
Rodrigo Santana da Fonseca Amorim, A Cidade dos Dois Sóis (31/10/2013)
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Inquietude Metafísica - Huberto Rodhen
Se existe o centro para o qual gravita a pedra solta no espaço –
Se existe o sol que a planta adivinha em plena escuridão –
Se existem zonas banhadas de luz e calor que de veementes saudades enchem as aves migratórias –
– por que não existiria algures esse grande astro por que minh’alma suspira?...
– por que não cantaria, para além desses mares visíveis, o invisível país da minha grande nostalgia?...
Por que não?...
Seria o homem, rei e coroa da creação, a única desarmonia no meio dessa universal sinfonia da Natureza?
Um caos de desordem em pleno cosmos de ordem?
Não atingiria ele jamais a meta das suas saudades?
Seria ele mais infeliz que a pedra, a planta, o animal?
Seria ele um eterno Tântalo ludibriado pela miragem duma felicidade quimérica?
Seriam as mais nobres aspirações de minh’alma eternamente burladas por um gênio perverso e cruel?
E teria esse tirano o nome de Deus?
Quem poderia crer coisa tão incrível?
Que inteligência abraçar tamanho absurdo?
Creio, Senhor, na imortalidade, porque creio no teu amor!
Creio na vida eterna, porque creio na ordem dos teus mundos!
Creio no mundo futuro, porque creio na harmonia do teu Universo!
Para além de todos os enigmas e paradoxos da vida presente existem uma solução e uma verdade eterna.
Após a noite deste mundo que nos desorienta, despontará a alvorada dum dia que iluminará os nossos caminhos.
Continua, pois, Centro eterno, a atrair o meu coração, que inquieto está até que ache quietação em ti...
Continua, ó Sol divino, a encher-me de veemente heliotropismo o espírito, para que no meio das trevas procure a tua grande claridade...
Continua, ó tépida Primavera, a chamar das regiões polares a avezinha nostálgica de minh’alma, que só na zona tropical do teu amor encontra paz e vida eterna...
Só em ti, meu Centro, meu Sol, minha Primavera, sucederá à dolorosa inquietude do meu espírito a inefável quietude de todo o meu ser...
De alma para alma - Huberto Rodhen
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Liberdade, noiva dos rebeldes - Thiago de Mello, 1966.
Quero dizer teu nome, liberdade
Quero aprender teu nome novamente
para que sejas sempre em meu amor
e te confundas ao meu próprio nome.
Deixa eu dizer teu nome, liberdade
irmã do povo, noiva dos rebeldes,
companheira dos homens, liberdade.
Teu nome em minha pátria é uma palavra
que amanhece de luto nas paredes.
Deixa eu cantar teu nome, liberdade que estou
cantando em nome do meu povo.
Thiago de Mello, 1966
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Bukowski, de alcoólatra à gênio
E o
medíocre deparou-se com seus aforismos e sentenças, um mero contato
fortuito. Reconhecera, por intermédio da opinião de outrem, toda a sua
genialidade. E, aquele que foi perseguido e humilhado, ignorado e
expurgado, assumira assim o status de herói de uma geração. O
alcoólatra, o solitário, o anômalo. Mas, gênio que foi, de fato, a muito
já previa, enfatizando assim toda a sua repulsa:
“Outro dia, fiquei pensando no mundo sem mim.
Há o mundo continuando a fazer o que faz.
E eu não estou lá. Muito estranho. Penso
no caminhão do lixo passando e levando o lixo
e eu não estou lá. Ou o jornal jogado no jardim
e eu não estou lá para pegá-lo. Impossível.
E pior, algum tempo depois de estar morto, vou ser
verdadeiramente descoberto. E todos aqueles
que tinham medo de mim ou me odiavam
vão subitamente me aceitar. Minhas palavras
vão estar em todos os lugares. Vão se formar
clubes e sociedades. Será nojento.
Será feito um filme sobre a minha vida.
Me farão muito mais corajoso e talentoso do que
sou. Muito mais. Será suficiente para fazer
os deuses vomitarem. A raça humana exagera
em tudo: seus heróis, seus inimigos, sua importância.
Charles Bukowski
“Outro dia, fiquei pensando no mundo sem mim.
Há o mundo continuando a fazer o que faz.
E eu não estou lá. Muito estranho. Penso
no caminhão do lixo passando e levando o lixo
e eu não estou lá. Ou o jornal jogado no jardim
e eu não estou lá para pegá-lo. Impossível.
E pior, algum tempo depois de estar morto, vou ser
verdadeiramente descoberto. E todos aqueles
que tinham medo de mim ou me odiavam
vão subitamente me aceitar. Minhas palavras
vão estar em todos os lugares. Vão se formar
clubes e sociedades. Será nojento.
Será feito um filme sobre a minha vida.
Me farão muito mais corajoso e talentoso do que
sou. Muito mais. Será suficiente para fazer
os deuses vomitarem. A raça humana exagera
em tudo: seus heróis, seus inimigos, sua importância.
Charles Bukowski
domingo, 26 de maio de 2013
What are Words - Chris Medina
O Que São Palavras
Onde quer que esteja, estou por perto
Em qualquer lugar que você vá, eu estarei lá
Sempre que você sussurrar meu nome, você verá
Como eu cumpro cada promessa
Porque que tipo de cara que eu iria ser
Se eu te deixasse quando você mais precisa de mim
O que são palavras
Se elas não tem significado para você
Quando você as diz
O que são palavras
Se elas são apenas para bons momentos
Então quando não são
Quando é amor
Sim, você as diz em voz alta
Essas palavras, elas nunca vão embora
Elas estão vivas, mesmo quando vamos embora
E eu sei que um anjo foi enviado
Apenas para mim
E eu sei que eu devia
Estar onde estou
E eu vou estar
Bem ao seu lado esta noite
E eu vou estar ao seu lado
Eu nunca a deixaria quando ela mais precisa de mim
O que são palavras
Se elas não tem significado para você
Quando você as diz
O que são palavras
Se elas são apenas para bons momentos
Então quando não são
Quando é amor
Sim, você as diz em voz alta
Essas palavras, elas nunca vão embora
Elas estão vivas, mesmo quando vamos embora
Onde quer que esteja, estou por perto
Em qualquer lugar que você vá, eu estarei lá
E eu vou estar aqui para sempre
Como eu cumpro cada promessa
Porque que tipo de cara que eu iria ser
Se eu te deixasse quando você mais precisa de mim
Eu sempre estou mantendo meu anjo perto
What are Words - Chris Medina
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Um último Recomeço
O telefone tocou...
- Alô?
- Alô. Luciano?
- Sim. Quem é?
- Não conhece mais a minha voz?
- Não estou conseguindo identificar. Quem está falando?
- Nossa, como foi fácil pra você me esquecer... Acho que não tivemos muito significado...
- Nathasha?!
- Oi...
- Que surpresa você me ligar! Pra quem disse que queria me esquecer para sempre...
- Vai ofender? Eu desligo!
- Fique à vontade, querida. Quem ligou foi você mesmo...
- Não, espere, não vou desligar. Desculpe. É que estou aborrecida, só isso.
- Tá. E o que você quer?
- Nada. Eu só queria ouvir sua voz.
- Só? Então já ouviu. Mais alguma coisa?
- Espere, pare de ser grosso. Não, desculpe, não desligue. É que eu estou me sentindo muito sozinha.
- Foi você quem quis assim, querida. Sorva do seu próprio veneno.
- Realmente você não muda. Só sabe acusar...
- Bom, vou desligar. Tchau...
- NÃO, PELO AMOR DE DEUS, não desligue, espere, preciso te dizer algo...
- Fala logo, Natasha. Tenho que trabalhar.
- Eu estava errada. Me perdoe.
- ERRADA? Você estava errada? Tem certeza disso? Será que não é um pouco tarde pra dizer isso?
- Mas agora eu reconheço...Por favor, amor, me perdoe!
- Agora? Depois que você acabou comigo, querida? Até hoje eu pago o mico do papelão que você me fez passar... Convites distribuídos, acampamento alugado, comida encomendada, viagem paga, meu casamento com você, tudo perdido... (Luciano suspira). Sofri, sofri mesmo. Queria matar você! Droga, por que eu tive que amar você? Mas tudo bem. Já faz dois anos... Ah, meu Deus, dois anos...
- Luciano, pelo amor de Deus, me perdoe!
- Pra que você quer o meu perdão? Você nem ligou pra dizer que já estava com outro cara. Pra que perdão? Vai viajar com ele, vai viver com ele, meu bem... Só me deixe em paz, por favor!
Luciano chora baixinho.
Sem se dar conta, Luciano percebe uma pessoa na porta do escritório.
Era ela. Natasha estava olhando pra ele. Ela falava do celular.
Luciano fica perplexo, alegre e triste - ela está linda, belíssima, muito elegante. Mas seu rosto está abatido, cansado, doente. Na mão tinha uma sacola. Aproximou-se da mesa de Luciano, e, com olhos lacrimejantes, desligou o celular, olhou para ele e disse:
- Oi, amor.
- Oi, Natasha. Pare de me chamar de amor. Você tá um caco, filha!
Olhos baixos, Natasha começa a tirar da sacola algumas coisas: uma caixa do correio com um CD do Demmis Roussos, que Luciano havia enviado de presente no aniversário, uma boneca de porcelana numa casinha de papel, um celular pré-pago, alguns livros devocionais, uma bíblia de Genebra e um pacote de fotografias. Luciano a observava, perplexo, triste, e via as lágrimas de Natasha molharem a fórmica da sua escrivaninha. Cada objeto tirado era uma facada no coração sofrido de Luciano. Algumas coisas lhe custaram caro, ele fizera grande esforço para pagá-las. Mas, pensava ele, se era pra ela, valeria à pena o esforço. Quando tudo terminara, ele se arrependera de tanto gasto desperdiçado...
- Pensei que você havia jogado fora as coisas que lhe dei, Natasha...
- Eu nunca me esqueci de você, Luciano. Eu errei. Errei muito, me perdoe...
Luciano, jovem advogado, lutador com as interpéries da vida, sabia que Natasha poderia estar mentindo, como tantas outras vezes, quando namoravam e mesmo quando eram noivos. Mas havia um quê de diferente no olhar vermelho de Natasha.
- Por que você veio hoje aqui, Natasha? Deu a louca? O que te traz aqui?
- Natasha suspirou, chorou, recompôs-se e disse:
- Estou com câncer, Luciano...
- CÂNCER? Luciano petrificou-se.
- Sim, amor, eu vim me despedir. Saí do hospital à força, pra falar com você e pra morrer em casa...
Luciano não esperava por essa. Veio-lhe à memória uma de suas discussões, onde Natasha, na hora do nervoso, dissera: "E daí, Luciano? Que se dane a igreja, que se dane o pastor, que se dane você, e se Deus achar que estou errada, que me castigue..." Nossa, era como se a cena passasse de novo na mente de Luciano.
- Como foi, Natasha?
- Depois que eu deixei você, amor, fui caindo no abismo, afastei-me do Senhor, fui morar com o André, abandonei a Cristo. Eu estava cega. Mas Deus me amava, Luciano. Se eu não fosse dEle, estaria numa boa agora, bem com o André, bem comigo e pronta pra ir pro Inferno. Mas, por amor, Deus veio corrigir-me. Ele repreende e castiga a quem ama. Ele me ama, Luciano! Estou doente. Mas estou bem, porque estou podendo vir até você pra pedir perdão! Nunca fui feliz, nunca tive paz, saí de casa com 3 meses de vida a dois. O André me batia, me traía, eu fugi.
- E ele não foi buscar você de volta?!
- O André foi assassinado, Luciano. Tráfico de drogas.
Luciano estava perplexo.
- Luciano, estou voltando pro Senhor, estou me preparando pra partir. Mas tenho que receber o seu perdão, amor! Sei que nunca irei compensar o que lhe fiz, mas... por favor... ME PERDOA, AMOR!
Luciano olhou para aquele resto de mulher - outrora tão orgulhosa, ostentando tanta beleza e auto-suficiência, confiando tanto em seu corpo e em sua fulgurante beleza, e agora, bonita ainda, mas notadamente pálida, enferma, cheia de hematomas nos braços, pescoço e pernas, e triste, profundamente triste, a implorar-lhe perdão para morrer em paz!
Cena patética! Ali estava quem Luciano mais amara na vida, quem mais o fizera sofrer, a depender de uma palavra apenas, para morrer em paz!
"Hora da vingança", veio-lhe à mente. Claro, agora seria a hora da revanche! Mas Luciano era um moço crente, de bom coração, e seria incapaz de reter a bênção para aquela a quem tanto amara e que, infelizmente, ainda tanto amava e tanto o fazia sofrer...
Quer que eu perdoe você, Natasha?
SIM, PELO AMOR DE DEUS, Luciano! Nunca mais tomei a Ceia do Senhor, nunca mais louvei ao Senhor com alegria, nunca mais fui membro de igreja, não agüento mais! Aceito as conseqüências, mas, por favor, diga que me perdoa!
Enxugando as lágrimas, refazendo-se, Luciano olhou-a no fundo dos olhos, tomou as suas duas mãos, que estavam frias como as de um defunto, e lhe disse, num terno sorriso misericordioso:
Querida: desde que você foi embora eu já havia lhe perdoado. Mas, se você quer escutar e sentir paz, ouça-me: EU PERDÔO VOCÊ POR TUDO QUE ME FEZ. VOCÊ ESTÁ LIVRE EM NOME DE JESUS!
Natasha tremeu. Gritou "aleluia", sorriu, chorou, e caiu desmaiada.
Logo o assistente de Luciano veio ajudá-lo, e, colocando-a no carro, levaram-na para o hospital. Luciano tinha o telefone de toda a família ainda, ligou e avisou. Em uma hora todos estavam ali na recepção, tristes, aflitos, alguns desesperados. Chegou o pastor. A família implorou-lhe que fosse até a UTI orar com ela. O pastor, que conhecia o Luciano, olhou bem pra ele, pensou, fechou os olhos em oração, e, a seguir, falou:
Quem tem que entrar é o Luciano. Vá lá, Luciano. Eu conheço o diretor da UTI, pedirei autorização.
EU, PASTOR?
Sim, filho. Ela é o seu amor.
FOI, PASTOR...
Não, filho. Deus o uniu a ela novamente, ainda que seja na despedida.
Luciano não sabia o que fazer. A família, desconsolada, chorava, mas a mãe, certa do que tinha que ser feito, empurrou o Luciano até a porta, dizendo: "Vai, filho, corre, antes que seja tarde!"
Ah, aquele corredor que dava para a UTI parecia não ter fim! Cada passo dado era uma lembrança: o primeiro beijo, a primeira maçã-do-amor, o primeiro jantar, o primeiro por-do-sol juntos; o dia em que viajaram num encontro missionário, o dia em que foram juntos à praia e que ele deu de presente a primeira rosa! O jantar de noivado, os telefonemas, tudo. Não sobraram recordações da tragédia, da traição, do desprezo. Na verdade quem ama guarda as más experiências numa sacola furada. E Luciano fez assim.
Vestido com o jaleco, a máscara e o sapato de pano, Luciano entrou.
Vários boxes onde pessoas definhavam. Lá estava Natasha, no número 6. Estava no respirador artificial, cuja sanfona funciona como um pulmão e faz um barulho horripilante. Estava linda, mas totalmente ligada a aparelhos, notadamente cansada, em coma, morrendo. Luciano sentiu sua dor. Chorou. Tremeu. Segurou forte a mão de sua amada.
Pensou em Cristo, que dera a vida pela noiva, pensou em Oséias, que aceitou a esposa adúltera novamente, pensou em Deus, que tantas e tantas vezes tratou a Jerusalém com compaixão. Quem era ele para não perdoar? Quem era ele para não acolher?
Então orou.
"Senhor, o que posso dizer? Minha garota está morrendo! Ex-garota, claro. Mas mesmo assim está doendo, Pai! E eu sou impotente diante de tudo isso! Essas máquinas, esse cheiro de éter e de carnes inflamadas, esse barulho infernal, meu Pai, o que posso dizer? Que deixe a minha garota morrer em paz? Sim, Senhor, leve-a para a tua glória! Eu a amo! Mas sei que tu a amas mais do que eu! Abençoa a Natasha. Em nome de Jes...
Subitamente Luciano pensou em completar a oração com o seguinte pedido:
"Mas, Senhor, se ainda houver um espaço para ela viver para ti, recuperar parte do tempo perdido, se na tua infinita misericórdia não for demais, por favor, Senhor, cura a tua serva. Ela já sofreu bastante, ela aprendeu, Senhor. Até eu, que fui o mais ofendido, já a perdoei! Por favor, Senhor, se der, devolve-lhe a vida! Mesmo que não seja pra viver comigo. E agora sim, em nome de Jesus. Amém".
Por favor, me avisem - disse Luciano aos familiares - , me avisem quando tudo terminar. Quero estar presente.
E foi embora. Tirou a tarde para viajar, seu hobby preferido: foi pra uma cidadezinha próxima, ver o pôr-do-sol.
PARTE FINAL
No caminho, ao longo da rodovia, seus pensamentos corriam mais que o vento: por que tudo isso estaria acontecendo? As coisas não poderiam ter sido mais fáceis? E agora? Ele, no carro, ela no hospital, a lembrança daquelas máquinas monstruosas de prolongar a vida não lhe saíam da memória... As lágrimas corriam, misturadas à poeira do vento seco do caminho.
Revoltado com tudo isso, parou o carro no acostamento. Encontrou uma estradinha de terra. Devagar, como a seguir um féretro, entrou pela rota dos sitiantes. Subiu devagar a montanha, encontrou um mirante.
Parou, abriu a porta, e, num grito de dor e lamento, chorou. Ah, como chorou! Seu pranto escorria pela porta do carro. Os pássaros, assustados, aquietaram-se nas árvores, contemplando aquele misto de dor e revolta. Parecia que todo o mundo fazia silêncio em respeito a tanta dor.
Deus, por que? Por que? Por que? Por que tive que amá-la? Por que tive que vê-la? E agora, Senhor, o que fazer? E se tu a levares? O que será de mim? Eu já estava quase esquecendo, Senhor! Agora tudo volta a doer! Senhor, Senhor...
Cansado de tanto chorar, entrou no carro e deitou-se, estendendo o banco para o fundo. Travou a porta, colocou uma fita de música clássica e desfaleceu. Ali estava um moço de valor, que amava e que lutava entre sua vontade e a vontade de Deus.Sonhou durante o sono, no delírio da febre. Sonhou estar na igreja.
Viu o pastor a pregar, e, ao seu lado estava Natasha, bonita e sorridente. Lá do púlpito o pastor dizia: "Aquele que amar mais à sua mulher, mais do que a mim, não é digno de mim - palavras de Jesus!" E, aos poucos, o sorriso de Natasha foi sendo coberto por uma neblina e desaparecia. Assim acordou.
Assustado e cônscio de que Deus falara com ele, pôs-se a orar, dizendo:
Senhor, sei que é difícil, mas tenho que fazer isso. Confesso que estou revoltado, ó, Pai. Quero fazer a minha vontade, não a tua. Eu não estou conseguindo aceitar a tua vontade, caso seja a de levá-la embora! Sei que estou errado, Senhor, e sei que é isso que quisestes me falar. Senhor, sou teu servo e quero te obedecer. Se irás tirar a
Natasha mais uma vez, tira-a, apesar de mim. Por mais que isso doa,
Senhor, prefiro assim: não quero perder-te Senhor. Só me ajude e console o meu coração... Tu sabes o que será melhor para ela, e também melhor para mim. Em nome de Jesus, amém.
Voltou a dormir.
Toca o celular.
Alô?
Luciano?
Sim, sou eu.
Aqui é o pastor, filho. Como você está?
Bem mal, pastor. Mas sobrevivendo...
Eu orei por você, garoto. Pedi a Deus para lhe fazer suficientemente forte para renunciar, se preciso for. Você quer conversar sobre isso?
Pastor - disse, sorrindo o rapaz, - já o ouvi pregar agorinha mesmo no sonho, já renunciei a Natasha. Está doendo, mas estou em paz.
Obrigado.
Ótimo. Então volte pro hospital, Luciano. A Natasha acordou e saiu do estado crítico. Ela quer ver você...
O QUE??? SÉRIO, PASTOR?
Séríssimo. Vem com calma, mas acelera, filho...
Não levou hora e meia e Luciano estava entregando a chave do carro pro manobrista do hospital.
E a Natasha? , perguntou à mãe dela.
Filho, corre, ela está chamando por você! Vai, filho! Deus está agindo! Eu já a vi, mas ela teima que quer ver-lhe!
Agora o corredor do hospital era longo demais para ele. Se pudesse, daria três passos em um, para chegar mais rápido e contemplar o rosto de sua amada. Seu coração estava disparado, pensava no que ouviria e no que diria. O suor lhe escorria pela face e as vistas estavam enfumaçadas. Correu a vestir o jaleco, o sapato de pano, as luvas e a máscara. Box 06. Lá estava ela, e três médicos
palestrando. Ao olharem o rapaz, perguntaram:
Você é o Luciano?
Sim, doutor, sou eu. Por que?
Converse um pouco com ela. Ela gritou o seu nome por mais de meia hora e nos deixou quase loucos! Isso é que é amor! Mas seja breve, ainda não entendemos essa súbita melhora. Temos que medicá-la novamente.
Aproximou-se do leito. Os lábios de Natasha estavam sangrados, a boca ferida, canos haviam saído da garganta, o pescoço estava com fios, braços e pernas com soro, sondas, enfim, uma cena dramática, mas não tanto quanto na última vez. Pelo menos o respirador artificial estava desligado, e em silêncio...
Lu..cia..no.. me.u...a..mor....
Fala, querida, eu estou aqui!
Je..sus....veio..a..qui! Eu..vi!
Luciano deixou as lágrimas verterem de seus olhos, lágrimas quentes e profundas.
Você estava sonhando, querida.
Nã..ão, meu ..a..mor, Je..sus veio...me di..zer.. uma..coi..sa!
Um tanto alegre, mas também incrédulo, Luciano pergunta:
E o que Jesus lhe disse, amor?
Dis.se...que.. vo..cê..me ama..va e..que..es.ta...va... (cof! cof!) es..ta..va. orando lá..num sí..tio.. por..mim...e ..lu..tan..do ...para me renun..ciar..
Luciano gelou. Natasha completou:
E..le.. me..dis..se..que..a.ceitou..a.sua..or.a..ção!
Agora ele estava arrepiado. Não só isso, ele estava com as pernas totalmente moles e adormecidas, num misto de medo e perplexidade.
E sobre você, amor, ele disse alguma coisa?
Dis.se..pa..ra....que..eu não ...pe..casse.. de nno..vo... - Natasha adormeceu.
Natasha!!! Natasha!! Não morra!!!
Calma, garoto - disse o médico - ela só adormeceu. Fique tranqüilo, mas saia agora, temos que seguir os procedimentos necessários.
E assim foi.
Natasha saiu do hospital em 20 dias. Sem explicação convincente, os médicos quiseram impetrar a si mesmos um erro de avaliação e diagnóstico,dizendo que pensaram que havia câncer onde nada existia, mas não sabiam explicar as dúzias de exames, de biópsias, de ressonâncias e de quimioterapias feitas. Claro, grande parte da medicina desconhece o poder de Deus, a misericórdia do Altíssimo. E um câncer desaparecido tem que parecer um mero "erro médico". Mas o milagre acontecera de fato...
Outra tarde, fim de expediente no escritório de Luciano, Natasha de pé em frente à escrivaninha de trabalho dele.
Luciano, de agora em diante eu viverei cada dia como um milagre do
Senhor, e viverei apenas e tão-somente para a glória Dele.
Que bom, Natasha! Espero que você seja feliz! Orarei sempre por você!
Luciano...
Fale, querida.
Quero pedir só mais uma coisa.
Se eu puder atender...
Eu quero me casar com você e ser a sua mulher, a sua companheira, e servir ao Senhor ao seu lado. Eu te amo! Me perdoe por tudo que fiz!
Era tudo o que o rapaz queria ouvir. Sorridente, abriu a gaveta da escrivaninha e tirou uma linda boneca de porcelana, numa casinha de papelão, idêntica à primeira, presenteada quando começaram a namorar. Levantou-se, entregou-lhe a boneca, abraçou sua amada pela cintura, trazendo-a para junto de seu rosto, e lhe disse, com um brilho jamais visto em seu olhar:
Eu perdôo você e quero recebê-la como minha esposa, meu amor. Eu te amo!
Também te amo, querido!
Não se podia descrever o que era mais bonito e brilhante; se o brilho do sol da tarde, clareando toda a sala pelas vidraças, ou se o brilho do beijo de Natasha e Luciano, ao som da mais linda música que o mundo pode ouvir: o palpitar de dois corações apaixonados.
Aliás, apaixonados por Deus primeiramente, e, por causa do Senhor, apaixonados um pelo outro...
Pastor Wagner Antonio Araújo
- Alô?
- Alô. Luciano?
- Sim. Quem é?
- Não conhece mais a minha voz?
- Não estou conseguindo identificar. Quem está falando?
- Nossa, como foi fácil pra você me esquecer... Acho que não tivemos muito significado...
- Nathasha?!
- Oi...
- Que surpresa você me ligar! Pra quem disse que queria me esquecer para sempre...
- Vai ofender? Eu desligo!
- Fique à vontade, querida. Quem ligou foi você mesmo...
- Não, espere, não vou desligar. Desculpe. É que estou aborrecida, só isso.
- Tá. E o que você quer?
- Nada. Eu só queria ouvir sua voz.
- Só? Então já ouviu. Mais alguma coisa?
- Espere, pare de ser grosso. Não, desculpe, não desligue. É que eu estou me sentindo muito sozinha.
- Foi você quem quis assim, querida. Sorva do seu próprio veneno.
- Realmente você não muda. Só sabe acusar...
- Bom, vou desligar. Tchau...
- NÃO, PELO AMOR DE DEUS, não desligue, espere, preciso te dizer algo...
- Fala logo, Natasha. Tenho que trabalhar.
- Eu estava errada. Me perdoe.
- ERRADA? Você estava errada? Tem certeza disso? Será que não é um pouco tarde pra dizer isso?
- Mas agora eu reconheço...Por favor, amor, me perdoe!
- Agora? Depois que você acabou comigo, querida? Até hoje eu pago o mico do papelão que você me fez passar... Convites distribuídos, acampamento alugado, comida encomendada, viagem paga, meu casamento com você, tudo perdido... (Luciano suspira). Sofri, sofri mesmo. Queria matar você! Droga, por que eu tive que amar você? Mas tudo bem. Já faz dois anos... Ah, meu Deus, dois anos...
- Luciano, pelo amor de Deus, me perdoe!
- Pra que você quer o meu perdão? Você nem ligou pra dizer que já estava com outro cara. Pra que perdão? Vai viajar com ele, vai viver com ele, meu bem... Só me deixe em paz, por favor!
Luciano chora baixinho.
Sem se dar conta, Luciano percebe uma pessoa na porta do escritório.
Era ela. Natasha estava olhando pra ele. Ela falava do celular.
Luciano fica perplexo, alegre e triste - ela está linda, belíssima, muito elegante. Mas seu rosto está abatido, cansado, doente. Na mão tinha uma sacola. Aproximou-se da mesa de Luciano, e, com olhos lacrimejantes, desligou o celular, olhou para ele e disse:
- Oi, amor.
- Oi, Natasha. Pare de me chamar de amor. Você tá um caco, filha!
Olhos baixos, Natasha começa a tirar da sacola algumas coisas: uma caixa do correio com um CD do Demmis Roussos, que Luciano havia enviado de presente no aniversário, uma boneca de porcelana numa casinha de papel, um celular pré-pago, alguns livros devocionais, uma bíblia de Genebra e um pacote de fotografias. Luciano a observava, perplexo, triste, e via as lágrimas de Natasha molharem a fórmica da sua escrivaninha. Cada objeto tirado era uma facada no coração sofrido de Luciano. Algumas coisas lhe custaram caro, ele fizera grande esforço para pagá-las. Mas, pensava ele, se era pra ela, valeria à pena o esforço. Quando tudo terminara, ele se arrependera de tanto gasto desperdiçado...
- Pensei que você havia jogado fora as coisas que lhe dei, Natasha...
- Eu nunca me esqueci de você, Luciano. Eu errei. Errei muito, me perdoe...
Luciano, jovem advogado, lutador com as interpéries da vida, sabia que Natasha poderia estar mentindo, como tantas outras vezes, quando namoravam e mesmo quando eram noivos. Mas havia um quê de diferente no olhar vermelho de Natasha.
- Por que você veio hoje aqui, Natasha? Deu a louca? O que te traz aqui?
- Natasha suspirou, chorou, recompôs-se e disse:
- Estou com câncer, Luciano...
- CÂNCER? Luciano petrificou-se.
- Sim, amor, eu vim me despedir. Saí do hospital à força, pra falar com você e pra morrer em casa...
Luciano não esperava por essa. Veio-lhe à memória uma de suas discussões, onde Natasha, na hora do nervoso, dissera: "E daí, Luciano? Que se dane a igreja, que se dane o pastor, que se dane você, e se Deus achar que estou errada, que me castigue..." Nossa, era como se a cena passasse de novo na mente de Luciano.
- Como foi, Natasha?
- Depois que eu deixei você, amor, fui caindo no abismo, afastei-me do Senhor, fui morar com o André, abandonei a Cristo. Eu estava cega. Mas Deus me amava, Luciano. Se eu não fosse dEle, estaria numa boa agora, bem com o André, bem comigo e pronta pra ir pro Inferno. Mas, por amor, Deus veio corrigir-me. Ele repreende e castiga a quem ama. Ele me ama, Luciano! Estou doente. Mas estou bem, porque estou podendo vir até você pra pedir perdão! Nunca fui feliz, nunca tive paz, saí de casa com 3 meses de vida a dois. O André me batia, me traía, eu fugi.
- E ele não foi buscar você de volta?!
- O André foi assassinado, Luciano. Tráfico de drogas.
Luciano estava perplexo.
- Luciano, estou voltando pro Senhor, estou me preparando pra partir. Mas tenho que receber o seu perdão, amor! Sei que nunca irei compensar o que lhe fiz, mas... por favor... ME PERDOA, AMOR!
Luciano olhou para aquele resto de mulher - outrora tão orgulhosa, ostentando tanta beleza e auto-suficiência, confiando tanto em seu corpo e em sua fulgurante beleza, e agora, bonita ainda, mas notadamente pálida, enferma, cheia de hematomas nos braços, pescoço e pernas, e triste, profundamente triste, a implorar-lhe perdão para morrer em paz!
Cena patética! Ali estava quem Luciano mais amara na vida, quem mais o fizera sofrer, a depender de uma palavra apenas, para morrer em paz!
"Hora da vingança", veio-lhe à mente. Claro, agora seria a hora da revanche! Mas Luciano era um moço crente, de bom coração, e seria incapaz de reter a bênção para aquela a quem tanto amara e que, infelizmente, ainda tanto amava e tanto o fazia sofrer...
Quer que eu perdoe você, Natasha?
SIM, PELO AMOR DE DEUS, Luciano! Nunca mais tomei a Ceia do Senhor, nunca mais louvei ao Senhor com alegria, nunca mais fui membro de igreja, não agüento mais! Aceito as conseqüências, mas, por favor, diga que me perdoa!
Enxugando as lágrimas, refazendo-se, Luciano olhou-a no fundo dos olhos, tomou as suas duas mãos, que estavam frias como as de um defunto, e lhe disse, num terno sorriso misericordioso:
Querida: desde que você foi embora eu já havia lhe perdoado. Mas, se você quer escutar e sentir paz, ouça-me: EU PERDÔO VOCÊ POR TUDO QUE ME FEZ. VOCÊ ESTÁ LIVRE EM NOME DE JESUS!
Natasha tremeu. Gritou "aleluia", sorriu, chorou, e caiu desmaiada.
Logo o assistente de Luciano veio ajudá-lo, e, colocando-a no carro, levaram-na para o hospital. Luciano tinha o telefone de toda a família ainda, ligou e avisou. Em uma hora todos estavam ali na recepção, tristes, aflitos, alguns desesperados. Chegou o pastor. A família implorou-lhe que fosse até a UTI orar com ela. O pastor, que conhecia o Luciano, olhou bem pra ele, pensou, fechou os olhos em oração, e, a seguir, falou:
Quem tem que entrar é o Luciano. Vá lá, Luciano. Eu conheço o diretor da UTI, pedirei autorização.
EU, PASTOR?
Sim, filho. Ela é o seu amor.
FOI, PASTOR...
Não, filho. Deus o uniu a ela novamente, ainda que seja na despedida.
Luciano não sabia o que fazer. A família, desconsolada, chorava, mas a mãe, certa do que tinha que ser feito, empurrou o Luciano até a porta, dizendo: "Vai, filho, corre, antes que seja tarde!"
Ah, aquele corredor que dava para a UTI parecia não ter fim! Cada passo dado era uma lembrança: o primeiro beijo, a primeira maçã-do-amor, o primeiro jantar, o primeiro por-do-sol juntos; o dia em que viajaram num encontro missionário, o dia em que foram juntos à praia e que ele deu de presente a primeira rosa! O jantar de noivado, os telefonemas, tudo. Não sobraram recordações da tragédia, da traição, do desprezo. Na verdade quem ama guarda as más experiências numa sacola furada. E Luciano fez assim.
Vestido com o jaleco, a máscara e o sapato de pano, Luciano entrou.
Vários boxes onde pessoas definhavam. Lá estava Natasha, no número 6. Estava no respirador artificial, cuja sanfona funciona como um pulmão e faz um barulho horripilante. Estava linda, mas totalmente ligada a aparelhos, notadamente cansada, em coma, morrendo. Luciano sentiu sua dor. Chorou. Tremeu. Segurou forte a mão de sua amada.
Pensou em Cristo, que dera a vida pela noiva, pensou em Oséias, que aceitou a esposa adúltera novamente, pensou em Deus, que tantas e tantas vezes tratou a Jerusalém com compaixão. Quem era ele para não perdoar? Quem era ele para não acolher?
Então orou.
"Senhor, o que posso dizer? Minha garota está morrendo! Ex-garota, claro. Mas mesmo assim está doendo, Pai! E eu sou impotente diante de tudo isso! Essas máquinas, esse cheiro de éter e de carnes inflamadas, esse barulho infernal, meu Pai, o que posso dizer? Que deixe a minha garota morrer em paz? Sim, Senhor, leve-a para a tua glória! Eu a amo! Mas sei que tu a amas mais do que eu! Abençoa a Natasha. Em nome de Jes...
Subitamente Luciano pensou em completar a oração com o seguinte pedido:
"Mas, Senhor, se ainda houver um espaço para ela viver para ti, recuperar parte do tempo perdido, se na tua infinita misericórdia não for demais, por favor, Senhor, cura a tua serva. Ela já sofreu bastante, ela aprendeu, Senhor. Até eu, que fui o mais ofendido, já a perdoei! Por favor, Senhor, se der, devolve-lhe a vida! Mesmo que não seja pra viver comigo. E agora sim, em nome de Jesus. Amém".
Por favor, me avisem - disse Luciano aos familiares - , me avisem quando tudo terminar. Quero estar presente.
E foi embora. Tirou a tarde para viajar, seu hobby preferido: foi pra uma cidadezinha próxima, ver o pôr-do-sol.
PARTE FINAL
No caminho, ao longo da rodovia, seus pensamentos corriam mais que o vento: por que tudo isso estaria acontecendo? As coisas não poderiam ter sido mais fáceis? E agora? Ele, no carro, ela no hospital, a lembrança daquelas máquinas monstruosas de prolongar a vida não lhe saíam da memória... As lágrimas corriam, misturadas à poeira do vento seco do caminho.
Revoltado com tudo isso, parou o carro no acostamento. Encontrou uma estradinha de terra. Devagar, como a seguir um féretro, entrou pela rota dos sitiantes. Subiu devagar a montanha, encontrou um mirante.
Parou, abriu a porta, e, num grito de dor e lamento, chorou. Ah, como chorou! Seu pranto escorria pela porta do carro. Os pássaros, assustados, aquietaram-se nas árvores, contemplando aquele misto de dor e revolta. Parecia que todo o mundo fazia silêncio em respeito a tanta dor.
Deus, por que? Por que? Por que? Por que tive que amá-la? Por que tive que vê-la? E agora, Senhor, o que fazer? E se tu a levares? O que será de mim? Eu já estava quase esquecendo, Senhor! Agora tudo volta a doer! Senhor, Senhor...
Cansado de tanto chorar, entrou no carro e deitou-se, estendendo o banco para o fundo. Travou a porta, colocou uma fita de música clássica e desfaleceu. Ali estava um moço de valor, que amava e que lutava entre sua vontade e a vontade de Deus.Sonhou durante o sono, no delírio da febre. Sonhou estar na igreja.
Viu o pastor a pregar, e, ao seu lado estava Natasha, bonita e sorridente. Lá do púlpito o pastor dizia: "Aquele que amar mais à sua mulher, mais do que a mim, não é digno de mim - palavras de Jesus!" E, aos poucos, o sorriso de Natasha foi sendo coberto por uma neblina e desaparecia. Assim acordou.
Assustado e cônscio de que Deus falara com ele, pôs-se a orar, dizendo:
Senhor, sei que é difícil, mas tenho que fazer isso. Confesso que estou revoltado, ó, Pai. Quero fazer a minha vontade, não a tua. Eu não estou conseguindo aceitar a tua vontade, caso seja a de levá-la embora! Sei que estou errado, Senhor, e sei que é isso que quisestes me falar. Senhor, sou teu servo e quero te obedecer. Se irás tirar a
Natasha mais uma vez, tira-a, apesar de mim. Por mais que isso doa,
Senhor, prefiro assim: não quero perder-te Senhor. Só me ajude e console o meu coração... Tu sabes o que será melhor para ela, e também melhor para mim. Em nome de Jesus, amém.
Voltou a dormir.
Toca o celular.
Alô?
Luciano?
Sim, sou eu.
Aqui é o pastor, filho. Como você está?
Bem mal, pastor. Mas sobrevivendo...
Eu orei por você, garoto. Pedi a Deus para lhe fazer suficientemente forte para renunciar, se preciso for. Você quer conversar sobre isso?
Pastor - disse, sorrindo o rapaz, - já o ouvi pregar agorinha mesmo no sonho, já renunciei a Natasha. Está doendo, mas estou em paz.
Obrigado.
Ótimo. Então volte pro hospital, Luciano. A Natasha acordou e saiu do estado crítico. Ela quer ver você...
O QUE??? SÉRIO, PASTOR?
Séríssimo. Vem com calma, mas acelera, filho...
Não levou hora e meia e Luciano estava entregando a chave do carro pro manobrista do hospital.
E a Natasha? , perguntou à mãe dela.
Filho, corre, ela está chamando por você! Vai, filho! Deus está agindo! Eu já a vi, mas ela teima que quer ver-lhe!
Agora o corredor do hospital era longo demais para ele. Se pudesse, daria três passos em um, para chegar mais rápido e contemplar o rosto de sua amada. Seu coração estava disparado, pensava no que ouviria e no que diria. O suor lhe escorria pela face e as vistas estavam enfumaçadas. Correu a vestir o jaleco, o sapato de pano, as luvas e a máscara. Box 06. Lá estava ela, e três médicos
palestrando. Ao olharem o rapaz, perguntaram:
Você é o Luciano?
Sim, doutor, sou eu. Por que?
Converse um pouco com ela. Ela gritou o seu nome por mais de meia hora e nos deixou quase loucos! Isso é que é amor! Mas seja breve, ainda não entendemos essa súbita melhora. Temos que medicá-la novamente.
Aproximou-se do leito. Os lábios de Natasha estavam sangrados, a boca ferida, canos haviam saído da garganta, o pescoço estava com fios, braços e pernas com soro, sondas, enfim, uma cena dramática, mas não tanto quanto na última vez. Pelo menos o respirador artificial estava desligado, e em silêncio...
Lu..cia..no.. me.u...a..mor....
Fala, querida, eu estou aqui!
Je..sus....veio..a..qui! Eu..vi!
Luciano deixou as lágrimas verterem de seus olhos, lágrimas quentes e profundas.
Você estava sonhando, querida.
Nã..ão, meu ..a..mor, Je..sus veio...me di..zer.. uma..coi..sa!
Um tanto alegre, mas também incrédulo, Luciano pergunta:
E o que Jesus lhe disse, amor?
Dis.se...que.. vo..cê..me ama..va e..que..es.ta...va... (cof! cof!) es..ta..va. orando lá..num sí..tio.. por..mim...e ..lu..tan..do ...para me renun..ciar..
Luciano gelou. Natasha completou:
E..le.. me..dis..se..que..a.ceitou..a.sua..or.a..ção!
Agora ele estava arrepiado. Não só isso, ele estava com as pernas totalmente moles e adormecidas, num misto de medo e perplexidade.
E sobre você, amor, ele disse alguma coisa?
Dis.se..pa..ra....que..eu não ...pe..casse.. de nno..vo... - Natasha adormeceu.
Natasha!!! Natasha!! Não morra!!!
Calma, garoto - disse o médico - ela só adormeceu. Fique tranqüilo, mas saia agora, temos que seguir os procedimentos necessários.
E assim foi.
Natasha saiu do hospital em 20 dias. Sem explicação convincente, os médicos quiseram impetrar a si mesmos um erro de avaliação e diagnóstico,dizendo que pensaram que havia câncer onde nada existia, mas não sabiam explicar as dúzias de exames, de biópsias, de ressonâncias e de quimioterapias feitas. Claro, grande parte da medicina desconhece o poder de Deus, a misericórdia do Altíssimo. E um câncer desaparecido tem que parecer um mero "erro médico". Mas o milagre acontecera de fato...
Outra tarde, fim de expediente no escritório de Luciano, Natasha de pé em frente à escrivaninha de trabalho dele.
Luciano, de agora em diante eu viverei cada dia como um milagre do
Senhor, e viverei apenas e tão-somente para a glória Dele.
Que bom, Natasha! Espero que você seja feliz! Orarei sempre por você!
Luciano...
Fale, querida.
Quero pedir só mais uma coisa.
Se eu puder atender...
Eu quero me casar com você e ser a sua mulher, a sua companheira, e servir ao Senhor ao seu lado. Eu te amo! Me perdoe por tudo que fiz!
Era tudo o que o rapaz queria ouvir. Sorridente, abriu a gaveta da escrivaninha e tirou uma linda boneca de porcelana, numa casinha de papelão, idêntica à primeira, presenteada quando começaram a namorar. Levantou-se, entregou-lhe a boneca, abraçou sua amada pela cintura, trazendo-a para junto de seu rosto, e lhe disse, com um brilho jamais visto em seu olhar:
Eu perdôo você e quero recebê-la como minha esposa, meu amor. Eu te amo!
Também te amo, querido!
Não se podia descrever o que era mais bonito e brilhante; se o brilho do sol da tarde, clareando toda a sala pelas vidraças, ou se o brilho do beijo de Natasha e Luciano, ao som da mais linda música que o mundo pode ouvir: o palpitar de dois corações apaixonados.
Aliás, apaixonados por Deus primeiramente, e, por causa do Senhor, apaixonados um pelo outro...
Pastor Wagner Antonio Araújo
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
The Parting Glass
O copo da despedida
Oh todo o dinheiro que eu gastei
Gastei com boa companhia
E todo o mal que eu causei
Ai, não era para ninguém, só para mim
E todo o mal que eu causei
Ai, não era para ninguém, só para mim
E tudo que eu fiz por falta de sagacidade
Para memória agora não me lembro
Então, para me encher o copo de despedida
Boa noite e que a alegria esteja com vocês todos
Oh todos os companheiros que tive
Sentem a minha partida
E todas as namoradas que tive
Gostariam que eu ficasse mais um dia
Mas, já que é assim que tem que ser
Que eu deveria subir e você não
Eu vou subir suavemente e ligarei suavemente
Boa noite e que a alegria esteja com vocês todos
The Parting Glass
Oh all the money that e'er I spent
I spent it in good company
And all the harm that e'er I've done
Alas, it was to none but me
And all the harm that e'er I've done
Alas, it was to none but me
And all I've done for want of wit
To memory now I can't recall
So fill to me the parting glass
Good night and joy be with you all
Oh all the comrades that e'er I've had
Are sorry for my going away
And all the sweethearts that e'er I've had
Would wish me one more day to stay
But since it falls unto my lot
That I should rise and you should not
I'll gently rise and I'll softly call
Good night and joy be with you all
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Hold On - Tom Waits
Aguente Firme
Eles colocam uma placa em sua cidade
"se você viver isso, você nao viverá para
baixo "
Então, ela deixou Monte Rio, filho
Assim como uma bala deixa uma arma
Com olhos de carvão e quadris de Monroe
Ela foi e teve aquela viagem para a Califórnia
Bem, a lua era dourada, o seu cabelo como o vento
Ela disse "não olhe para trás, apenas venha ,
Jim"
Oh você tem que aguentar firme, aguente firme
Você tem que aguentar firme
Pegue minha mão, eu estou bem aqui
Você tem que aguentar firme
Bem, ele deu a ela um relógio da dimestore
e um anel feito de uma colher
Todo mundo está procurando por alguém para culpar
Quando você compartilha minha cama, você
compartilha meu nome
Bem,vá em frente ,chame os policiais
Você não conhece garotas legais em cafeterias
Ela disse, baby, eu ainda te amo
Às vezes não há mais nada a fazer
Oh você tem que aguentar firme, aguente firme
Baby,você tem que aguentar firme
Pegue minha mão, eu estou bem aqui
Você tem que aguentar firme
Bem, Deus abençoou seu coraçãozinho torto
St.Louis tem o melhor de mim
Eu sinto falta da sua "broken-china" voz
Como eu queria que você estivesse você aqui comigo
Oh, você construiu isso,você arruinou isso
E você incendiou sua mansão
Oh, não há mais nada para te manter aqui
Mas quando você está ficando para trás nesse grande
mundo azul
Oh você tem que aguentar firme, aguente firme
Baby,você tem que aguentar firme
Pegue minha mão, eu estou bem aqui
Você tem que aguentar firme
Abaixo do Riverside motel
É 10 abaixo e caindo
Por uma loja de 99 centavo
Ela fechou os seus olhos e começou a balançar
Mas é tão díficil dançar daquela forma
Quando é frio e não há música
Oh, sua cidade natal tão longe
Mas, na sua cabeça há um disco que está tocando
Uma música chamada
Aguente firme,aguente firme, baby,você tem que
aguentar firme
Segure minha mão,eu estou bem aqui,você tem que
aguentar firme...
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
O Menino e o Rio - Manoel de Barros
O corpo do rio prateia
Quando a lua se abre
Passarinhos do mato gostam
De mim e de goiaba
Uma rã me benzeu
Com as mãos na água
Com fios de orvalho
Aranhas tecem a madrugada
Era o menino e os bichinhos
Era (...)
Cresci brincando no chão,
Entre formigas
Meu quintal é maior
Do que o mundo
Por dentro de nossa casa
passava um rio inventado.
Tudo que não invento
é falso
Era (...)
Márcio de Camillo estudou a fundo a obra do poeta e...
... é assim uma alma crianceira!
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Era, a deusa das deusas
Na mitologia grega Hera é a
deusa dos deuses, regente do casamento. Retratada como majestosa e solene,
muitas vezes coroada, Hera algumas vezes ostenta em sua mão uma romã, símbolo da
fertilidade, sangue e morte, um substituto para as cápsulas da papoula de ópio.
Argos Panoptes foi um dos seus fieis ajudantes e em recompensa, após sua morte,
ela o transformou em um pavão que passou a ser relacionado a ela. Iris era sua
fiel servente.
Hera, a mais excelsa das
deusas, é representada na Ilíada como orgulhosa, vaidosa, obstinada, ciumenta e
rixosa. Possuía sete templos na Grécia e mostrava apenas seus olhos aos
mortais, usando uma pena do seu pavão para marcar os locais que protegia. Como
esposa de Zeus, Hera também tinha poder sobre os fenômenos celestes. Podia
derramar chuvas benéficas ou desencadear tempestades. A união de Zeus e Hera
era como um símbolo de toda a natureza. O calor, as chuvas e os raios do sol
que penetravam no solo através do casal, fecundavam a Terra.
Presidia a casamentos e
nascimentos e era representada como uma respeitável matrona, conduzindo um
cetro ou coroa. Em Roma seu festival era chamado Matronália, onde era tratada
como Juno. Sua figura era considerada maléfica e vingativa, e Hera não poupava
seus inimigos e suas rivais. Hera teve quatro filhos, e nem mesmo com eles,
Hera foi condescendente:
Hefesto, a divindade do fogo e dos metais, foi considerado muito feio e
desajeitado quando nasceu. Hera jogou-o do Monte Olimpo tornando Hefesto coxo.
Mas Hefesto aprendeu um ofício e se tornou um hábil ferreiro. Casou com Afrodite, que tinha muitos amantes e seu
principal rival era seu irmão Ares.
Ares, deus da guerra e
da violência, tinha Éris como companheira de batalha - deusa da discórdia. Ares
amava o calor da batalha e exultava em derrotar o inimigo. Sempre foi repelido
pelos deuses pois estava sempre associado aos conflitos e guerras sangrentas,
usando sua força bruta e sem refinamento. Era amante de Afrodite, a esposa de
seu irmão Hefesto, com quem teve vários filhos, e também outras inúmeras
amantes.
Hebe, a deusa da eterna
juventude, servia néctar e ambrosia aos deuses. Casou-se com Héracles ou
Hércules quando ele foi aceito no Olimpo.
Ilítia era a deusa responsável pelos partos e foi convencida por Hera a
antecipar o parto da irmã de Alcmena, para evitar que Hercules fosse rei na
Grécia.
Segundo as lendas,
teria ainda gerado sozinha Tifão, um monstro terrível, que trazia o
corpo coberto por escamas, cabeças de dragão entre os dedos, lançando fogo dos
olhos.
Hera e Zeus tiveram as núpcias
no Jardim das Hespérides, em eterna primavera. Como legítima esposa de Zeus,
Hera foi considerada protetora das esposas e do amor legítimo. A deusa era
excessivamente ciumenta e sempre estava irritada com as infidelidades do
marido, perseguindo suas amantes e filhos.
Hera possuia muitas rivais,
entre elas, a bela Calisto. Por inveja da sua imensa beleza, que conquistara o
seu marido, transformou-a numa ursa. Helena de Tróia, possuia a reputação de
mulher mais bonita do mundo e isso despertava a inveja em Hera. Outra de suas
rivais foi Io, transformada em uma vaca e perseguida por Hera.
O único filho de Zeus que Hera
não odiava era Hermes e sua mãe Maia, porque Hermes demonstrou grande
habilidade e inteligência, tornando-se o mensageiro dos deuses. Hera também
provocou a morte de Sêmele quando ela estava grávida de Dioniso e tentou
impedir o nascimento dos gêmeos Apolo e Ártemis, filhos de Zeus e Leto. Para
fugir da vigilância da esposa, Zeus se metamorfoseava em diferentes formas,
como em touro, cisne, chuva de ouro ou no marido da mulher desejada, como fez
para seduzirAlcmena.
Quando Zeus engravidou a mortal
Alcmena, Ilitia predisse que o primeiro neto do pai da Alcmena ia se tornar o
rei da Grécia. Alcmena e sua irmã estavam grávidas. Hera, com ciúmes de Zeus,
pediu a Ilítia que causasse o parto da irmã antes de 9 meses e nasceu Euristeus
que se tornou rei da Grécia, posto que era reservado para Hercules.
Hera odiava, sobretudo,
Hercules. Quando ele nasceu, para torná-lo imortal, Zeus pediu a Hermes que o
levasse ao seio de Hera e o fizesse mamar. Ele sugou o leite divino com tanta
força que feriu a deusa. Hera o afastou com violência mas o leite continuou a
jorrar e as gotas formaram a Via Láctea.
Hera tentou matar Hercules
quando ele era apenas um bebê. Com sua tentativa frustrada de matá-lo ainda
criança, Hera influenciou Euristeus, que o envolveu em muitas aventuras
perigosas que ficaram conhecidas como "doze trabalhos". Mas Hércules
destruiu seus sete templos e, antes de terminar sua vida mortal, aprisionou
Hera em um jarro de barro que entregou a Zeus. Depois disso, ele foi aceito
como deus do Olimpo.
Tirésias também foi uma de suas
vítimas. Certa vez, tendo sido chamado para resolver uma questão entre Hera e
Zeus, enraivecida com as verdades do adivinho, Hera o cegou. Ixíon, rei dos
Lápitas, tentou seduzir a deusa, mas acabou abraçando uma nuvem, que Zeus
confeccionou à semelhança da esposa. Os Centauros nasceram dessa união. Para
castigar Íxion, Zeus fez com que se alimentasse de ambrosia, o manjar da imortalidade,
e o lançou-o no Tártaro, onde ficou girando eternamente numa roda de fogo.
Durante as núpcias de Peleu e
Tétis, Éris – a Discórdia – convidada a não comparecer, jogou uma maçã de ouro
para a mais bela das deusas. Nessa célebre disputa da mais bela deusa entre
Hera, Atena e Afrodite, Zeus incumbiu Paris de decidir a disputa. As deusas
tentaram subornar Paris, prometendo presentes em troca do voto: Hera ofereceu o
governo do mundo; Atena, sabedoria. Afrodite ofereceu o amor da mais bela mulher,
conseguindo ganhar o cobiçado título. Isso deu origem à famosa Guerra de Troia.
********************
O
mito de Hera se consolidou numa época em que a Grécia passava a defender os princípios
da monogamia e a adotava como regra, tornando necessário a personificação de
uma divindade que defendesse esses princípios. Eles foram atribuídos a Hera,
deusa-rainha, deusa-mãe, elevada à companheira de Zeus.
As
lendas que envolvem Hera mostram o ciúme excessivo, o desejo de vingança para
punir as traições do marido, a perseguição às amantes do marido infiel e,
consequentemente, os filhos que resultaram das infidelidades. É a
personificação humana que mais se aflora dentro de um deus e suas características
essenciais são levadas ao seu mais extremado zelo, que defende a perpetuação do
amor único e exclusivo entre os casais, o senso de justiça limitado ao lar, ao
casamento, à família, e a tudo que possa corromper esse universo.
Hera
é considerada o mais irritante dos mitos, porém é o mais humano deles. É a
personificação da mais pura essência da alma humana na forma de amar dentro de
uma relação consolidada pela sociedade, opondo-se aos amores clandestinos e dos
amantes da madrugada. É a essência do matrimônio e suas prisões psicológicas,
que são menores do que a visão de uma sociedade talhada pelos princípios da
monogamia.
Todo
simbolismo está contido no princípio do lar, da esposa perfeita, mantendo o
equilíbrio do casamento através da fidelidade exigida e jamais alcançada; da
mulher disposta à contendas conjugais com motivos para isso. Nos dias atuais,
embora a mulher conquistado seu espaço, os casamentos não se modificaram tanto
assim. Permanecemos em uma sociedade patriarcal e o casamento ainda é
considerado uma instituição de procriação.
As
mulheres continuam a sofrer violências domésticas e profissionais. A busca do
tão almejado casamento por amor com satisfação sexual plena, é castrado pelas
concepções obsoletas cristãs. Mas apesar de todas as limitações e deficiências
do casamento, a mulher sente-se profundamente atraída por estabelecer e manter
um relacionamento conjugal. Romanticamente todas sonham em compartilhar a
tarefa de criar seus filhos e estabelecer uma unidade chamada família.
Toda
Mulher-Hera sabe que o casamento é o caminho pela qual se chega à inteireza e
plenitude. O arquétipo de Hera leva a mulher a estabelecer um pacto de lealdade
e fidelidade com seu companheiro para sempre. Hera é a personificação do feminino
maduro, que sabe o que quer e só sentirá completa através do sagrado
matrimônio. Hera estabelece o arquétipo da relação homem-mulher numa sociedade
patriarcal, como esposa e companheira ideal. Assim, é uma deusa do casamento,
da maternidade e da fidelidade, além de ser a guardiã ciumenta do matrimônio.
No
mito, a prole pequena concebida dentro do casamento e numerosa nas relações
extraconjugais, tem em Ares - o deus da guerra, filho de Zeus e Hera, o simbolo
dos conflitos conjugais como também das tensões que nascem no mundo entre
homens e mulheres. Quando se desfaz de Hefesto, o filho desajeitado e Tifão, o
filho monstro, simboliza a rejeição da procriação sem amor.
Hera
não personifica os mistérios da maternidade, ela personifica os mistérios da
mulher dentro das relações afetivas ou conjugais. O arquétipo de Hera se
manifesta nas mulheres quando desejam apenas duas coisas: igualdade e parceria.
A esposa-Hera assume o trono ao lado do marido para compartilhar do seu poder.
Hera é a representação mais pura de que: "Junto de um grande homem, há
sempre, uma grande mulher...”.
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